Ausência

Ausência 

Ao afastar-me deste blogue

Entendi-o melhor

Pela sua ausência 

Pelo buraco que me deixou nos gestos

Nas palavras

Uma ausência 

Mais reveladora que a presença

Que faz com que as coisas 

Deixem de existir

De serem notadas

Apenas por mim

É necessário continuar 

A comunicar 

As coisas incomunicáveis 

Quanto mais não seja

Porque sim!

© Fernando Kaskais

 

 

 

Amuo

Amuo

Meus amigos

Vou-me embora

O mundo

Já não tem mais beleza

Sou como aqueles amantes

Que depois da zanga

Nunca mais

Se querem ver

Assim é o meu amuo

Tive um caso com o mundo

E agora doí-me de mais

Ver a decadência desse rosto

Que outrora amei

A penumbra adentrou-se em mim

Como um bolor

E acabei ficando saudoso

De um tempo

Que já é passado

Parece até

Que enviuvei

Mesmo

Sem ter nunca casado

Meus amigos

Vou-me embora

Por agora

Este blogue fica encerrado.

© Fernando Kaskais

prosia

Respeito

Respeito

Tornou-se um senhor

Andava pela cidade

Com a sua vaidade

Um pouco á frente dele

Tropeçando

Em salamaleques

Mesurando

Pela esquerda

E pela direita

Não por respeito

Mas

Porque em todo o lado

Mesmo no impossível

Há sempre uma porta

Que se abre

Para assuntos improváveis

Com vista

Sobre horizontes

Irreveláveis

Onde somos todos

Simples convidados

Descartáveis

Por isso

Levava consigo

A espinha curvada

Pois a vida requer

Constante submissão.

© Fernando Kaskais

prosia

 

A Morte

A Morte

A morte é

Um cordão umbilical

Que nos liga

A outra existência

Uma trela

De placenta metafísica

Que se vai esticando

Enquanto cheiramos

E mijamos

Nas esquinas deste mundo

Até chegarmos

Ao seu limite

E sermos recolhidos

Para a casota

Da eternidade

Que fica no fundo

Do pátio universal

Nas traseiras

Da mansão galáctica

De um deus

Novo-rico.

© Fernando Kaskais

prosia

Planície Interior

Planície Interior

O sol prega-me á terra

Com pregos feitos de fogo

Á minha volta

Estende-se a planície

Que parece dormir

Numa cama feita de milho

Que ondula

Ao sabor do vento

E do calor

Que me engana a visão

O silêncio melancoliza-me

A alma

O tamanho infinito da planície

Parece-se com a minha morte

Um estender infindável de vida

A perder de vista

Do ponto de onde parti

Até ao sítio

A que ainda não cheguei

Onde caminham pássaros

Que desaprenderam de voar

Ou perderam as asas

E as nuvens negras

Carregadas de água

Ficam a secar

Penduradas

Nas varandas das casas.

© Fernando Kaskais

prosia

 

Solidão

Solidão

A solidão acompanha-me

Mais escura que a noite

Numa rua deserta

Com casas

De janelas fechadas

Imaginando

Figuras mudas

E abandonadas

Presas

A vidas pequenas

Atrás daquelas fachadas

De casas exaustas

De tanto abandono

O tempo desmoronando-se

Á minha passagem

A tristeza

Correndo pelas ruas

Como

Um esgoto a céu aberto

Enquanto os meus pés

Se arrastam

Pelo chão do mundo

Feito quadro de escola

Todo rabiscado

Com frases absurdas.

© Fernando Kaskais

prosia

Silêncio

Silêncio

Talvez

Tenha enlouquecido

Tudo o que desejo

É impossível

Se é que realmente

Desejo alguma coisa

E não me limito apenas

A desejar o desejo

Para apenas

Quebrar este silêncio

E o seu contexto vazio

O seu vácuo

Colado á minha pele

Obriga-me a pensar

O lugar dos homens

É uma linha traçada

Entre o desespero

E a esperança

Enquanto

Morrem devagar

Dissipando-se

Em cada gesto

Que fazem neste mundo

Que não lhes pode oferecer mais nada.

© Fernando Kaskais

prosia

Medo

Medo

Debaixo

Do barulho do medo

Ninguém sabe ao certo

Como o tempo passa

O barulho do medo

É silencioso

Gestual

Insinua-se

Por debaixo da pele

E permanece ali

Tempos infinitos

Um dia

Podem ser dez anos

Ninguém sabe se passou um dia

Ou duzentos anos

Ou uma hora

Ou apenas um segundo

O frio que cresce do medo

Envolve-nos devagar

E quer segurar-nos

Com as mesmas garras

Com que prendeu

Os nossos pais

Os nossos avós

E todos os outros antes deles.

© Fernando Kaskais

prosia

Perdi-me

Perdi-me 

Tivesse eu

Sabido esperar

E ter-me-ia conhecido

A mim mesmo

Que foi para isso

Afinal

Que vim a este mundo

Mas não

Faltou-me a paciência

Quis ir mais além

Muito mais á frente e

Perdi-me eu

De mim próprio

Desencontrei-me de mim

Numa esquina qualquer

Onde nunca estive

Onde nunca estarei

Mas não culpo o mundo

De nada

Como não culpo o sol

Que nasce todos os dias

Ou a força da gravidade

Que me puxa a cabeça

Para a sola dos pés.

© Fernando Kaskais

prosia

Ir e Vir

Ir e Vir

E aqui chegado

Cruzo-me

Comigo próprio

A ir para o mar

Vejo-me

Vir ao meu encontro

Vou para o mar

Venho do mar

Venho do mar

E vejo-me a ir para o mar

Vou para o mar

E trago na memória

O teu rosto

E o teu sorriso

Antes de partires

No fim de Agosto

Para

Nunca mais voltares

Deixando-me suspenso

A passar mal

Neste vai e vem

Da memória

Passeando

Pelo mundo real.

© Fernando Kaskais

prosia